sexta-feira, 23 de novembro de 2018

As casas de Porto Novo: Residência Werlang







Pesquisa e elaboração: Claudina Badalotti, Douglas Franzen, Patricía de Oliveira, Gabriel Chaves
Curso de Arquitetura e Urbanismo Uceff Itapiranga

A casa e sua história
            Quantas histórias tem uma casa? Quantas vivências? Quantos Natais e Páscoas com pessoas queridas? Quantas refeições em família? Quais as histórias de vida de cada pessoa vivenciadas na casa dos pais e dos avós? O cheiro do bolo e o sabor das bolachas. As brincadeiras no quintal e as histórias do sótão em dias de chuva. 
            A residência da Família Werlang de Itapiranga é mais uma casa que transborda memória. As paredes, as janelas, as portas, os cômodos respiram história. Registram memórias familiares, momentos de afeto e de carinho. Todas essas histórias vivenciadas e a importância que essa residência tem para a paisagem de Itapiranga são dignas de preservação. E é isso que Cládis, Silvestre e Angélica preservam no aconchego da casa enxaimel: as memórias da família. A família cuida com carinho dessa relíquia da arquitetura itapiranguense e se sente orgulhosa em poder mantê-la viva como um valor da história e da identidade local. É nessa dimensão que temos de entender o patrimônio histórico: algo que tenha valor, que tenha sentido e que seja vivenciado pelas pessoas e pela comunidade. A cidade e a paisagem que construímos tem relação direta com o valor que damos para a nossa história, para tudo aquilo que já construímos e que vamos construir.
A história da família Werlang começou em Porto Novo no ano de 1933, quando chegaram a Itapiranga o casal José Werlang e Angélica Stoffel Werlang. Adquiriram um lote de terra do Volksverein e construíram uma modesta moradia de madeira. José Werlang foi, além de professor, também escrivão, comerciante e sócio fundador da Caixa Rural, hoje Sicoob Creditapiranga, na qual se tornou o primeiro presidente. Angélica se dedicou aos cuidados com os filhos e ao trabalho doméstico.
Família Werlang. Fonte: Arquivo da família

Com a saída da presidência da Caixa Rural e incentivado por amigos, José construiu em 1936 uma nova residência tendo anexo um pequeno comércio onde vendia, principalmente, tecidos para a confecção de roupas, além da compra e revenda de produtos coloniais, principalmente a banha de porco. 
Na época muitas pessoas do interior da colônia buscavam auxílio médico no hospital de Itapiranga e devido à distância muitos não tinham como voltar para casa no mesmo dia, principalmente gestantes. Por isso, a família Werlang oferecia gratuitamente pouso em sua casa até que se recuperassem e pudessem retornar para suas residências no interior.
Com o falecimento de José (1953) e Angélica (1965), o casal Edgar Werlang e Winfrida Rost Werlang assumiu a residência e a casa comercial foi transferida para outro endereço. Nesse local encontra-se atualmente outra relíquia da história itapiranguense: a antiga igreja em madeira, que quando da sua demolição na década de 1950 serviu de sede para a Comercial Werlang.
Residência Werlang na década de 1940.

Em 1993 a casa foi assumida pelo casal Silvestre e Cládis que ali buscam preservar a memória e as histórias da família Werlang. Muitas memórias se vinculam a essa casa. Cládis lembra que nos anos 1970, quando a política brasileira passava por momentos conturbados, seu pai Edgar ficava ouvindo no rádio o Repórter Renner e as crianças deviam ficar em silêncio sentadas na escada que leva ao sótão. “A roda de chimarrão ao redor do fogão à lenha, independente de frio ou calor e, principalmente aos domingos depois da missa quando vinham os parentes e amigos do interior são fragmentos de vivências da casa. Também recordo com saudades dos períodos que antecediam ao Natal e a Páscoa, época em que o sótão servia de esconderijo para as latas de bolachas pintadas já que as mesmas só podiam ser consumidas no dia e dias subsequentes. Também o Papai Noel, no dia de São Nicolau (Nikolaustag) à noite tinha espaço para nos surpreender jogando balas e pirulitos pelas janelas que já ficavam estrategicamente abertas”, lembra Cládis.
Cládis, Angélica e Silvestre.

A casa e sua arquitetura
O padrão arquitetônico escolhido para a nova moradia foi o enxaimel. A estrutura originalmente era autoportante, sendo que na parte frontal funcionava o comércio da família Werlang, aos fundos havia a cozinha e ao lado os cômodos da família. O pavimento superior, o sótão, ou em alemão Speiger, servia para depósito e espaço de convivência familiar. O banheiro e a área de serviço ficavam aos fundos do terreno, sem ligação direta com a casa.
A varanda frontal somente foi construída mais tarde e as janelas originais também foram trocadas por venezianas.
A residência Werlang possui um bom estado de conservação com destaque para as linhas horizontais, verticais e diagonais oriundas do madeiramento aparente da estrutura, aspecto arquitetônico que define a edificação juntamente com a cobertura e o sistema construtivo enxaimel.
O enxaimel (em alemão Fachwerk) é uma técnica construtiva trazida pelos imigrantes alemães e adaptada ao clima e às necessidades no Brasil. Em Itapiranga e São João do Oeste temos várias edificações nesse padrão que necessitam de preservação, pois são exemplares dignos da história dos colonizadores de Porto Novo. A maioria delas é preservada com muito esmero pelas famílias, no entanto, muitas delas já foram perdidas.
As paredes alcançam uma altura de 1,85 metros, sendo que a estrutura é toda ela em madeira de araucária e o tramo (Fach) é de tijolos aparentes. O revestimento final resulta um acabamento texturizado e de considerável valor estético.
Os barrotes possuem espessuras de 12cm x 12cm, sendo que os peitoris (brustriegel) na linha horizontal se encaixam com os esteios (stiel) em linha vertical e as escoras (strebe) em diagonal. No enxaimel eram feitas marcações para que todas as peças pudessem ser identificadas e encaixadas, podendo ser realizada na parte interna ou externa, seguindo geralmente um numeral romano indicando a posição da peça na respectiva parede. Por isso, de maneira geral, a estrutura era toda montada separadamente e depois construída a edificação. Esse trabalho com a madeira proporciona ao enxaimel um inestimável valor arquitetônico e histórico, pois envolve um conhecimento de carpintaria e reflete um valor cultural dos colonizadores de Porto Novo. 
Podemos observar que os carpinteiros utilizaram desta técnica para as peças da parede lateral da residência formando assim, dois conjuntos de numerações. Na época geralmente as plantas eram de formatos retangulares. Curioso é que cada carpinteiro possuía uma combinação de marcação e numeração, geralmente com a utilização do formão, como podemos perceber nas várias residências no interior do município.
O tipo de telhado é do modelo Halbwalmdach ou então “metade de telhado de quatro águas”, seguido de uma estrutura de telhado atirantado formado por treliças de madeira. O assoalho (fussboden) ainda é original e reflete uma aparência requintada para o interior da residência. Como suporte do assoalho encontramos barrotes (balken) de madeira inteiriça.
Atualmente o telhado é composto por telhas do tipo americanas, que possuem capa e canal na mesma peça, uma vez que, as antigas telhas schindle de madeira apodreceram e houve a necessidade de serem substituídas, sendo necessária ainda a utilização de mantas térmicas devido ao calor no segundo pavimento. A inclinação do telhado é de aproximadamente 65% nas duas aguas maiores (laterais) e 45 % nas menores (frontal e posterior). A varanda coberta possui uma inclinação de 45% e conta com o madeiramento aparente. Foram agregados calhas de aço galvanizado nas laterais e na água da varanda além de serem mantidos os espelhos da parte frontal do telhado.
A arquitetura da residência em enxaimel concede a ela um espaço privilegiado na paisagem da cidade de Itapiranga. Conservada com muito esmero pela família, a Residência Werlang é uma demonstração do quão significativas as residências históricas são para a identidade e a cultura local.








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