quarta-feira, 28 de novembro de 2018

O patrimônio imaterial de Itapiranga: o canto coral



por Douglas Franzen
Professor Uceff Itapiranga

O canto coral é outro elemento significativo para a cultura local. Presente desde os primeiros tempos da colonização é um valor cultural herdado da imigração alemã do século XIX.  As sociedades de corais em colônias alemãs do Brasil foram implantadas nos mesmos padrões das Gesangvereine e Singvereine, muito comuns na Áustria e na Alemanha do século XIX. Na visão de Gabriel e Souza (2017), na Europa essas instituições aglomeraram atividades culturais que até então eram vinculadas à instituições tradicionalmente constituídas e que perderam espaço na sociedade naquele período, como as cortes e as igrejas. No contexto da imigração “imigrantes alemães residentes em diversas regiões brasileiras procuraram perpetuar a tradição dessas sociedades corais europeias no Brasil com a fundação de suas próprias associações em território brasileiro” (GABRIEL; SOUZA, 2017, p. 88).
Em Itapiranga a prática coralista esteve muito atrelada à Igreja Católica, estimulada principalmente pelos padres jesuítas. É preciso destacar de que grande parte da prática do canto coral historicamente esteve atrelada a uma prática cultural sem fundamentação erudita. Ou seja, grande parte dos regentes de coral e dos cantores não possuía uma formação acadêmica. As comunidades que se formaram na colonização de Itapiranga constituíram um padrão social em que a prática religiosa era muito consistente, e nessa dinâmica se formou a tradição coralista, principalmente de vertente sacra.
Coral da Associação Cultural Fai, 2018

Membros de Corais de Itapiranga na celebração dos 90 anos de Porto Novo. 

Regentes de Corais homenageados pela Aceti.

A maioria das comunidades de Itapiranga possuía seu próprio coral, formado por homens e mulheres. Em alguns casos houve a ocorrência do coral masculino, formados por vozes de homens que se tornou um elemento muito presente na cultura local. Nesse sentido, um elemento muito importante para compreender o canto coral em Itapiranga foram as escolas paroquiais, onde em cada comunidade se instalava uma escola para a educação das crianças e adolescentes. Geralmente, como ocorreu na maioria das comunidades, o professor dessa escola era nomeado pela comunidade e pela colonizadora. O professor era uma personalidade e uma liderança na comunidade, lidava com questões de educação e de cultura, estando à frente de atividades culturais e recreativas, como era, por exemplo, a regência do coral. Nessas escolas paroquiais as crianças tinham instruções musicais e eram estimuladas no canto coral, o que colaborou na formação de uma cultura musical muito consistente (EIDT, 1999).

“Ter um coral para cantar nas missas era uma questão religiosa, mas também fazia bem ao ego dos habitantes locais, visto que a falta de um coral na comunidade diminuía a imagem da mesma e da sua gente. Nos anos 70, foram introduzidas as Associações Corais, as quais filiaram todos os simpatizantes e interessados, formando um órgão administrativo e mantenedor do coral. Neste esquema, o direito elementar do sócio aparece in memoriam et in réquiem, pois terá a presença do coral após a sua morte, na missa do seu enterro ou na de algum familiar seu” (JUNGBLUT, 2000, p. 354)

A prática do coral representa um elemento muito significativo para a cultura local. Está inserida no cotidiano das comunidades, nas práticas simbólicas e nas celebrações no espaço rural e urbano. Durante grande parte da história de Itapiranga, principalmente com a ausência da energia elétrica e da televisão, o canto representou um elo de pertencimento e de identidade, onde as pessoas se reuniam para cantar e celebrar. Nesse sentido, o canto coral é uma das várias manifestações musicais herdadas historicamente e ressignificadas pela dinâmica da cultura.
O canto cria laços afetivos e sensoriais com a história, mantêm vivo um sentimento de identidade e de pertencimento, a lembrança de um passado, das gerações antecessoras, da memória do imigrante e da terra natal Alemanha. Nesse sentido, o canto coral tem um papel significativo na dinâmica do patrimônio imaterial, porque permeia vários elementos significantes da identidade e da memória local. A identidade é uma construção social que se fundamenta na diferença, nos processos de alteridade ou de diferenciação simbólica. Para Arévalo, “a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade, na medida em que ela é um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si” (ARÉVALO, 2004, p. 934).
No ano de 1964 foi fundada a Liga Cultural e Artística de Coros da Fronteira, entidade que engloba os corais de diversos municípios da região Extremo-Oeste de Santa Catarina. Em Itapiranga a entidade que coordena as atividades dos corais é a Associação Itapiranguense de Coros (Ascorita), que engloba treze corais do município. O fortalecimento dessas entidades demonstra o quão significativo é o canto coral para a história local permeando a concepção de patrimônio imaterial e sua relação de proximidade com a identidade cultural.
Apresentação Coral São Pedro Canísio.


Coral Municipal de Vozes Masculinas de Itapiranga

Referências de Pesquisa

ARÉVALO. J. M. La tradición, el Patrimônio y la identidad. In: Revista de estúdios extremeños, Vol 60, nº 3, p. 925-955, 2004.


GABRIEL, Ana Paula; SOUZA, Susana Cecília. Martin Braunwieser (1990-1991) e sociedades corais alemãs de São Paulo: práticas de repertório europeu. In: VIDEIRA, Mário; DE OLIVEIRA, Ísis Biazioli (Orgs.). Anais da Jornada Acadêmica Discente do Programa de Pós Graduação em Música ECA/USP. São Paulo: ECA-USP, 2017, p. 86-97.


JUNGBLUT, Roque. Documentário Histórico de Porto Novo. São Miguel do Oeste: Arco Íris Gráfica e Editora, 2000.

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