quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

As casas de Porto Novo: o construtor Luiz Ott


Por Douglas Orestes Franzen
Curso de Arquitetura e Urbanismo - Uceff Itapiranga

A história de Luiz Francisco Ott
Qual a herança que deixamos para a posteridade? O que construímos ao longo de nossa vida e que se mantêm como patrimônio para as gerações futuras?  Certamente uma profissão que deixa sua marca na paisagem é a de construtor (Baumeister). Construir uma residência envolve conhecimento, envolve talento. Um traço marcante, um volume, um ornamento, um formato de telhado, o acabamento, um detalhe significativo. Construir é uma obra de arte.
Luiz Francisco Ott é um construtor que merece o reconhecimento pela sua importância para a história de Porto Novo. Construiu inúmeras residências em alvenaria e madeira que atualmente compõe a paisagem do núcleo histórico de Chapéu-Capela-Macuco.  Sua contribuição para a história de Porto Novo é inestimável e precisa ser reconhecida pelo seu talento e inovação que hoje dignifica o patrimônio arquitetônico e materializa a memória da colonização.
Luiz nasceu 24 de Agosto de 1922 em São Sebastião do Caí. Filho de Jacob e Paulina Ott, aprendeu desde cedo o ofício de pedreiro e de carpinteiro. Casou-se com Erna Flach no ano de 1946, com quem teve 15 filhos. Devido às dificuldades na velha colônia e ao desafio de melhorar a sua vida, veio morar na Linha Chapéu em 1949. Durante três anos morou na vila de Chapéu e depois adquiriu uma propriedade agrícola onde passou a viver com sua família. Luiz faleceu no ano de 2005 deixando um legado muito significativo para a história de Porto Novo.

A sua herança para Porto Novo

Em Porto Novo, Luiz aprimorou sua habilidade de construtor sempre motivado pela inovação. Luiz se destacou pela sua habilidade na carpintaria e na confecção de objetos e aberturas em madeira. Na década de 1950 que construiu a maior parte das edificações que ainda se encontram pela região.  Na maioria das casas que construiu foi ele mesmo quem fez as aberturas em madeira com um aprimorado requinte. Com a habilidade na madeira produziu objetos para residências, oratórios, nichos em madeira e inclusive caixões para sepultamento.
Ao longo de sua atividade como construtor colaborou na construção de inúmeras residências e igrejas. Auxiliou na construção da igreja de Bom Princípio-RS e na igreja de Linha Chapéu, juntamente com seu irmão José, que morou por ali durante um ano enquanto perdurou a obra. José foi quem inclusive construiu o campanário (Turm) da igreja.  
Igreja de Linha Chapeu, Itapiranga. Fonte: Arquivo da família Ott.

Igreja de Bom Princípio, RS. Fonte: Arquivo da família Ott

Como residências podemos destacar a da família Düngersleben (pioneira de Porto Novo), da família Meier em Macuco, da família Machry em Chapeu, da família Burich em Macuco, da família Terhorst em Chapéu, da família Machry/Sidegum em Chapéu. Inúmeras outras foram construídas pela região. Seu filho Miguel lembra que seu pai, várias vezes ficava muitas dias fora de casa trabalhando como construtor.

Residência Düngersleben no ano de sua construção em 1959. Fonte: Arquivo da família Ott.

O que diferencia o trabalho de Luiz Ott é sua habilidade como carpinteiro e sua perspicácia na produção de ornamentos na fachada das residências em alvenaria, além de dominar a técnica da escaiola. Como carpinteiro construiu a casa enxaimel da família Machry em Chapeu, que hoje ainda está em ótimo estado de conservação.  As aberturas de grande parte das residências que construiu ele mesmo fez, deixando sua marca com detalhes e florais nas portas.
As casas de alvenaria eram construídas sem o uso de ferro, somente com tijolos maciços e barro. Os telhados em formato cupiá são outro elemento significativo para essas residências históricas. Sua habilidade na ornamentação de fachadas delineou seu estilo e seu talento. Geralmente esculpia na fachada os letreiros do proprietário, o ano de construção além de volumes e desenhos como estrelas e formas geométricas.  Nos anos 1950 era comum se fazer uma fundação com blocos maciços de pedra, trabalho feito na maioria das vezes por Wilibaldo Schmitz. Nas residências Meier e Burich de Macuco, essas pedras foram tiradas do leito do Rio Macuco e transportadas de carroça até a propriedade da família. Em geral a construção de uma casa demorava em torno de um ano para ser concluída.
A escaiola é outra marca registrada de Luiz Ott. Essa é uma técnica centenária trazida da Europa e criada na época do Renascimento parar imitar o granito e o mármore da era clássica. Consiste na técnica de aplicação de gesso ou cimento na parede com aplique de alguma tintura, o que proporciona uma aparência texturizada muito significativa. Em Porto Novo, Luiz utilizou da técnica de escaiola na maioria das residências que construiu. Para a confecção da escaiola ele fez uso de duas variações.  A primeira consistia na simples aplicação de cimento branco na parede com a aplicação posterior de aplique de tinta, que ele fazia com um pincel confeccionado com uma espiga de milho envolto naqueles antigos sacos de soja costurados a mão. Com uma perspicácia e uma paciência memorável, ele aplicava a tintura ordenadamente na parede proporcionando um mosaico muito aprimorado. A segunda forma de escaiola, essa mais original e requintada, era feita com uma massa formada de cimento branco, leite e tinta. O aplique desse composto na parede gerava um efeito muito texturizado, liso e brilhante.
Outro elemento a destacar é a confecção dos parapeitos e guarda corpos de escadarias e varandas, feitos artesanalmente por Luiz. Para tal ele utilizava um formão com os detalhes entalhados em seu fundo onde era despejado o cimento. Esses detalhes eram feitos de florais e símbolos geométricos. É por isso que Luiz precisa ser valorizado na história de Porto Novo. Graças ao seu talento temos em nossa região residências coloniais de considerável valor arquitetônico.  
A sua própria residência na Linha Chapéu foi construída em várias etapas, mas já na fundação se encontra a técnica escaiola presente, o que demonstra que Luiz trouxe a técnica do Rio Grande do Sul. A última etapa da construção é hoje a fachada frontal, que Luiz durante muito tempo deixou sem pintar aspecto que, segundo seu filho João, ao deixar o reboco à mostra proporcionava um maior requinte e originalidade à edificação. Essa curiosidade demonstra a preocupação de Luiz Ott com a originalidade de suas obras.
As residências que hoje estão presentes na paisagem da região histórica de Chapéu e Sede Capela (Itapiranga) e Macuco (São João do Oeste) precisam ser valorizadas pela comunidade local. Esse núcleo histórico é de considerável valor de memória para a região, tendo um potencial significativo para o turismo, para a cultura e para a história. A contribuição de Luiz Francisco Ott para a arquitetura local foi muito significativa e a valorização desses personagens da história de Porto Novo é uma obrigação para com a história dos colonizadores, porque reflete o conhecimento, a engenhosidade, a perspicácia, a criatividade e o valor de cultura que carregamos como herança do passado.



Residência Ott e os filhos Miguel e João, Linha Chapeu.

Residência Ott, Linha Chapeu.


Residência Düngersleben na atualidade. Linha Chapeu, Itapiranga.

Residência Burich, Linha Macuco. São João do Oeste


Residência Burich, Linha Macuco.

Guarda corpo na residência Ott.


Porta com detalhes entalhados na madeira. Residência Düngersleben

Escaiola na residência Ott

Escaiola na Residência Ott.

Residência Terhorst, Linha Chapeu.

Residência Machry, Linha Chapeu.  
Residência Sidegum/Machry. Linha Chapeu


Guarda corpo, residência Sidegum/Machry.
Escaiola feita de cimento branco, água e leite, na Residência Terhorst.

Porta com detalhes entalhados na madeira. Residência Ott.
Escada frontal, residência Düngersleben
Guarda corpo, Residência Düngersleben
Residência Ott, Linha Chapeu.
Residência Sidegum/Machry.