quinta-feira, 27 de junho de 2019

AS IGREJAS E SUAS HISTÓRIAS: IGREJA MATRIZ DE TUNÁPOLIS

 


por Douglas Orestes Franzen e Marciele Wilbert

TUNAS promete grande futuro... Diariamente vem e vão pessoas que querem comprar terra ou já compraram, toda hora se escuta o barulho das árvores caindo onde as pessoas abrem suas roças. (Memórias de Emílio Bieger, 1952)


É com as palavras de Emílio Bieger que introduzimos nossa reflexão da representatividade da Igreja Matriz da Paróquia Santíssima Trindade de Tunápolis. Foi a primeira igreja com arquitetura modernista de Porto Novo e isso é muito significativo para o contexto histórico local. A igreja representou o sentimento progressista que contagiou a colônia a partir da emancipação de Itapiranga em 1954, um sentimento de prosperidade, de um futuro promissor e pujante que pairava sobre a comunidade. Tunápolis nesse contexto representou a fronteira agrícola da colônia a ser explorada, desbravada e civilizada.
Tunas se desenvolveu com base nos padrões da colonização Porto Novo, colonizada por alemães católicos. Historicamente teve manifesta desde o início da colonização a preocupação com o espaço comunitário, um local onde as famílias pudessem se reunir para expressar a religiosidade. De maneira geral, religião e educação fundiam-se na dinâmica social e cultural. Essa situação repetia-se como um padrão na maioria dos centros comunitários das vilas, primeiro em função da religião, e segundo em função do espirito comunitário e cultural.
Vila Tunas, com a igreja em madeira em segundo plano. Fonte: Pref. Tunápolis

As edificações de caráter coletivo, como igrejas, escolas e centros comunitários eram construídas em sua maioria com o trabalho voluntário das famílias, em alemão denominado de Frohnarbeit. O trabalho voluntário e coletivo foi uma expressão cultural local. Essa condição estendeu-se também a organização política e religiosa, espaços públicos como igrejas, por exemplo. Essas obras de interesse coletivo eram construídas em conjunto, cada família auxiliava com materiais construtivos, donativos em moeda ou espécie, além de muitas horas de trabalho braçal. Essa era uma maneira de, em meios às dificuldades do processo colonizador, promover o desenvolvimento da colônia através de uma coesão social e cultural liderado pela Igreja Católica, que caracterizou grande parte da dinâmica histórica local.
Construção da Igreja-Escola, com estrutura em madeira. Fonte: Pref. Tunápolis

Igreja em madeira sendo desconstruída. Fonte: Pref. Tunápolis

Em Tunas a primeira missa foi rezada em 21 de Setembro 1951, nos primórdios de colonização quando ainda não havia uma igreja edificada. Moravam na vila em torno de 50 pessoas. Em maio de 1953 iniciou-se a construção da primeira igreja, toda em madeira, onde também funcionou a primeira escola sendo escolhida a Santíssima Trindade como sua padroeira. A simbologia da Santíssima Trindade é manifesta pelo componente espiritual e também por um componente geográfico, pois ao centro da vila confluem três riachos que dão à comunidade católica a sua denominação e simbologia de união.  
No inicio dos anos 1960 já se manifestava na comunidade a necessidade de construção de uma nova igreja, sendo realizada naquele mesmo ano uma festa popular com o objetivo de arrecadar recursos financeiros para a construção. No ano seguinte, cada família forneceria a contribuição de um porco como forma de angariar capital para a construção. Foram as primeiras manifestações em prol da construção da nova igreja que só se concretizaria em 1976.
            Em 05 de setembro de 1971 reuniram-se os sócios da comunidade e representantes dos setores da indústria, comércio e agricultura para eleger a comissão que organizaria o projeto e a execução da nova igreja. A comissão ficou assim formada: Arnoldo Eidt- presidente, Egon Berger-tesoureiro e Waldomiro Frantz-secretário.
            O projeto da nova igreja foi elaborado por Emílio Benvenutto Zanon, artista autodidata conhecido por conceber obras no campo da arquitetura religiosa, arte vitral e restaurações. Zanon realizou inúmeras pinturas e croquis arquitetônicos no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Para coordenar a execução da obra e organizar o orçamento foi contrato o mestre de obras Adão Thomas e o Padre Vigário Wunibaldo Steffen para auxiliar na gestão dos recursos financeiros e administrativos.
            Por ser artista autodidata o projeto feito por seu Emílio não apresentava as instalações elétricas, sanitárias e de cobertura, um desafio para a comissão, que após diversas negociações contratou o construtor José Pedro Ott para executar os serviços da cobertuta da igreja e seus acabamentos. Assim em Maio de 1972 iniciou-se a construção da nova Igreja.
             Para a execução da obra foram organizadas 10 equipes de trabalhadores voluntários da comunidade católica. O processo de execução foi extremamente conturbado em função das dificuldades de contato e pela pouca participação de Emilio Zanon na obra. De qualquer forma, Zanon ficou responsável pelo levantamento das paredes semi-ocas; fundir e colocar os elementos vazados e os respectivos vitrais; fazer o contrapiso de tijolos rejuntados e as escadarias de acordo com o projeto. As plantas da mobilia da plateia e do altar também foram de sua autoria, bem como a pintura do altar.
            Em Abril de 1974 iniciou-se a colocação do telhado, a obra começava a tomar forma, mas apenas em 1976 ela foi totalmente finalizada com a colocação do piso e do forro. Em Outubro daquele mesmo ano o Bispo Dom José Gomes benzeu e inaugurou a nova igreja. Paralelamente à construção da igreja, a Vila Tunas foi elevada à categoria de Paróquia Santíssima Trindade no ano de 1970.

O projeto e sua dimensão arquitetônica
Como já citado, a autoria do projeto original da nova igreja foi do Senhor Emilio Benvenutto Zanon, que o ilustrou à mão. O detalhamento do projeto original não consta no arquivo da Paróquia e por isso, recentemente um escritório de engenharia local foi contratado (Bordô Engenharia) para efetuar o levantamento e criou a planta virtual através de um software. Através das plantas é possível identificar as principais formas, o destaque dos vitrais nas fachadas e o significativo pé direito.
Croqui feito por Emílio Zanon

Na fachada frontal o programa é composto por uma marquise que se conecta com o volume lateral da edificação em justaposição ao volume angular superior. A combinação de formas e volumes é um dos artifícios plásticos da arquitetura moderna
            Ao analisar a edificação na sua composição arquitetônica podemos perceber características do movimento moderno. O primeiro a destacar é a platibanda na cobertura, aspecto que proporciona uma estética singular para a edificação. O segundo elemento é a volumetria que alterna planos e superfícies curvas com traços retilíneos e angulares. A volumetria curva é um elemento muito presente na arquitetura modernista, onde a sinuosidade das formas representa uma composição arquitetônica peculiar.
A arquitetura religiosa modernista se caracteriza de maneira geral por uma ruptura formal, material e programática com fortes traços de uma arquitetura racionalista. A possibilidade da construção de igrejas católicas em arquitetura modernista se tornou possível somente a partir do Concílio Vaticano II (1962-1965). "Do ponto de vista formal, o racionalismo e o funcionalismo reduzem a arquitetura a seus elementos essenciais, organizando-se basicamente através de uma retícula horizontal e outra vertical, que proporciona uma composição simples e clara, repudiando o ornamento e suas atribuições simbólicas. A ênfase recai sobre a abstração da forma, manifesta nas estruturas, nos elementos e formas geométricas puras" (Lima Júnior, 2016, p. 21)
"Geralmente são construções de alvenaria, com estrutura e lajes em concreto, a forma é reduzida a volumes geométricos mais abstratos e elementares. Os materiais como o vidro, ferro e compensados de madeira substituiriam grossas e pesadas paredes. A busca por uma relação entre interior e exterior através dos panos de vidro é explorado nos partidos cada vez mais fluidos" (MARTINS, 2015, p. 153).              
No ambiente interno é preciso destacar a preocupação com a planta livre no sentido de proporcionar uma ambientação mais unificada para os fiéis, no sentido de promover um ambiente mais singular e aproximar os fieis do altar. A planta circular favorece a compreensão de que não há diferenciação espacial dentro do templo, aspecto que fortalece princípios cristãos de igualdade e comunhão e na liturgia, elemento muito representativo no contexto do Concílio Vaticano II, quando a igreja sente a necessidade de se adaptar aos novos tempos, aos desafios da modernidade. Nesse sentido, concebe novas formas de arte religiosa e adequa sua liturgia abandonando gradativamente a exigência do latim na celebração.
A planta circular foi utilizada em variados momentos da história da arquitetura, como manifestação simbólica e ritualística, tendo muita aceitação em templos religiosos desde a antiguidade. Para o catolicismo a forma circular também possui um valor simbólico significativo desde os primórdios do cristianismo, desde a liturgia com o ritual da óstia sagrada que simboliza o Corpo de Deus, até o conjunto da Santíssima Trindade, formado por três círculos que se intersetam.
Os vitrais refletem uma característica marcante da fachada. Externamente eles formam um mosaico policromático. No interior da igreja a cor dos vidros é refletida para o piso e paredes através da claridade da luz externa.
Outro detalhe que é importante destacar são os pilares que sobressaem do volume secundário da edificação. Eles constituem um detalhe marcante na fachada e configuram o ambiente interno, ali foram inseridas janelas tipo basculantes com vitrais colorido.
Os cobogós empregados na platibanda da cobertura, também são caracterizantes nas fachadas, é importante ressaltar que os vitrais nas fachadas e nas janelas e os cobogós foram moldados e executados pelo autor do projeto. O cobogó é um elemento muito utilizado na arquitetura modernista brasileira pelo seu potencial de conforto térmico.
A pintura do altar representa a Santíssima Trindade: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. De significativa relevância para o conjunto arquitetônico, a pintura está representada na parede curva e simboliza a convergência do ambiente interno da Igreja.
O telhado é formado por um conjunto de treliças metálicas, que dão sustentação à cobertura. Com a cumeeira ao centro, a inclinação das águas ocorre para as laterais em direção à platibanda.
Considerando a época em que foi projetada e os recursos técnicos que existiam quando da sua construção, a igreja marcou um período importante na história do município de Tunápolis. Construir uma edificação contemporânea em estilo modernista em uma localidade essencialmente ruralizada foi com certeza um grande desafio, aspecto que exponencializa a igreja na sua relevância patrimonial.  A igreja deve ser concebida pela comunidade tunapolitana como um referencial para a paisagem e simbologia histórica, aspecto que qualifica o espaço e agrega valor de identidade para a comunidade local.
Planta baixa técnica, em formato circular. Fonte: Paróquia Santíssima Trindade

Corte longitudinal lateral. Fonte: Paróquia Santíssima Trindade

Detalhe dos vitrais policromados

Perspectiva do alter

Corte transversal frontal. Fonte: Paróquia Santíssima Trindade



Tunápolis com destaque para a localização centralizada da Igreja

Referências
LIMA JUNIOR, Márcio Antônio. O traço moderno na arquitetura religiosa paulista. 368 p. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2016.

MARTINS, Jorge A. R. Arquitetura religiosa após Concílio Vaticano II: adequação do espaço celebrativo ao rito litúrgico – o caso do Alto Minho. 476 p. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Escola Superior Gallaecia. Portugal, 2015.