sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

IGREJA MATRIZ DE SÃO JOÃO DO OESTE - SC


por Douglas Franzen. Docente da Uceff Itapiranga


A Vila São João
Para compreender a dimensão de uma Igreja como a de São João do Oeste, primeiro é preciso compreender Porto Novo. Olhar uma igreja com essas dimensões, com essa arquitetura monumental e esplendorosa nos remete a pensar: quanto esforço comunitário foi necessário para construí-la? Quanto sacrifício? Quanto trabalho comunitário? Quanto conhecimento e audácia construtiva foram despendidos num projeto dessas dimensões? Uma resposta nos vem nesse momento: essas igrejas simbolizam os pilares de Porto Novo.
A colonização de São João do Oeste iniciou em 1932, no contexto da Colonização Porto Novo (Itapiranga, Tunápolis e São João do Oeste), projeto colonizador iniciado em 1926 pela Volksverein. A tradição do catolicismo e da germanidade é um marco significativo desde o início da colonização, sendo a Igreja um dos primeiros edifícios construídos nos centros comunitários das linhas coloniais. O espaço comunitário foi significativo para o desenvolvimento da colônia e por isso o tripé igreja-escola-clube reflete a paisagem de grande parte das comunidades católicas ainda na atualidade.
Um projeto colonizador tão audacioso, que pretendeu unir o catolicismo e o germanismo frente aos desafios da moral comunitária do início do século XX mereceu todas as atenções do clero católico. Não demorou para o Bispo de Palmas vir ver com seus próprios olhos o projeto da Volksverein. Isso aconteceu em 1940, instantes antes da Segunda Guerra Mundial, e a Vila São João não perdeu tempo em requisitar seu status de paróquia. Na verdade, a Vila São João já havia sido demarcada pela colonizadora para ser desde o princípio um centro, uma potencial cidade. Esse marco significativo para a comunidade católica da Vila São João ocorreu em 1951, quando foi elevada à categoria de Paróquia São João Berchmans pelo então bispo de Palmas, Dom Carlos Eduardo Sabóia Bandeira de Melo. Para conquistar o título de Paróquia, a Vila precisava de uma igreja com uma amplitude que atendesse a tal pretensão. A comunidade o fez com maestria. O padroeiro São João Berchmans é reconhecido no catolicismo como referência da Companhia de Jesus, congregação muito atuante na história de Porto Novo e ainda presente na comunidade local. 



A dimensão arquitetônica da igreja
A primeira capela toda em madeira da Vila São João foi construída em 1934, sob liderança do Pe Teodoro Treis S.J. Na época de sua construção 12 famílias residiam na pacata vila. A atual Igreja Matriz da Paróquia São João Berchmans de São João do Oeste teve sua construção iniciada no ano de 1945 sendo concluída no ano de 1948. Sua planta retangular possui as consideráveis medidas de 38mx14m, totalizando 532m². Nessa composição se formam uma nave central, duas naves laterais, um altar com presbitério todo em madeira, sacristia.
A técnica construtiva vernacular reflete a simbiose característica do processo colonizador, que aliou conhecimentos trazidos pelas famílias com os materiais disponíveis na região e as técnicas que foram adaptadas ao meio e às necessidades das dificuldades e limitações do período. Sua estrutura em madeira reflete o padrão construtivo enxaimel (Fachwerkbau) muito comum em colonizações alemãs. Mesmo não estando aparente, o enxaimel está presente na estrutura da Igreja e pode ser percebido no campanário, que possui dois sinos importados da Alemanha em 1954.
A necessidade da construção de um campanário em anexo se deu em virtude da impossibilidade de alocar os sinos na torre. Sua estrutura enxaimel pode ser percebida através do sistema de encaixe através de pregos de madeira (Holznägel) e pela numeração em números romanos que determina a sequência da estrutura. Esses elementos precisam ser valorizados, pois exponencializam a arquitetura da igreja.
A única torre da igreja (Turm), é encimada por telhado em formato Capacete Renano (Rheinisch Helm ou Rhombendach). O telhado renano consiste numa composição cumeira formada de quatro losangos irregulares com dimensões iguais, sustentado por quatro frontões. É um padrão arquitetônico muito utilizado em Igrejas de arquitetura românica, muito comum na região da Renânia na fronteira entre Alemanha, Suíça, França e Holanda, às margens do Rio Reno, principalmente no território sob predominância do catolicismo. É também a região do Hunsrück, origem de muitos imigrantes alemães que imigraram para o Brasil. Essa característica arquitetônica manifesta uma conexão entre a história e a atualidade, conectando duas regiões que possuem uma identidade histórica materializada pela memória das famílias imigrantes.
Na época de sua construção havia relativa abundância de madeira na região e a atividade madeireira representou um símbolo de colonização e ocupação do espaço pelas famílias colonizadoras. O projeto da Igreja é de autoria de Franz Deiss, que  também participou da construção da Igreja Matriz de Itapiranga. Hans Merkel foi o mestre carpinteiro, função que também exerceu na construção das igrejas de Linha Popi e Linha Santa Cruz. Franz e Hans imigraram da Alemanha no início da década de 1930 com formação em carpintaria e por isso dominavam a técnica construtiva com maestria. Pedro Follmann prestou os serviços de contramestre. Adolfo Grasel organizou a coleta de donativos em dinheiro e da madeira junto às famílias. Diversas pessoas da comunidade auxiliaram no trabalho voluntário de construção da Igreja (Frohnarbeit). As madeiras utilizadas foram principalmente a grápia, cabriúva e loro.
Originalmente o telhado era coberto com a telha em madeira (Schindeln), muito comum nos primeiros anos de colonização. Os bancos foram fabricados pela carpintaria de Edgar Hammes e as aberturas pela marcenaria de Alberto Junges. A primeira pintura externa foi de cal virgem.

No interior da Igreja há um coro hoje desativado, onde nos primeiros anos se apresentava o coral, tendo como acesso duas escadas em madeira. Atualmente o coro se encontra junto ao altar, onde regularmente se apresenta o Coral Santa Cecília, refletindo a conexão entre a cultura musical e arquitetônica. Junto ao coro ainda se encontra o antigo harmônio como uma relíquia da música sacra.

Também podemos perceber o confessionário (Beichtstuhl), móvel muito comum na colonização local e representativo para o imaginário e a cultura católica. O confessionário é um móvel de relevância histórica e simboliza a cultura do catolicismo local, refletindo a memória de uma cultura social manifesta por uma fervorosa religiosidade. Esses objetos precisam ser conservados porque representam a memória e sua dimensão simbólica. A arte sacra presente no altar e ao longo do templo são de considerável valor patrimonial.
Fachada lateral, 1950. Fonte: Casa da Cultura de SJO.

Fachada frontal em 1950. Fonte: Casa da Cultura de SJO
Vista da Vila São João com a Igreja como ponto focal.


Congregação Mariana na década de 1950

Visita do Bispo de Palmas, Dom Carlos Saboia de Melo

Inauguração e Benção do Campanário

Sua dimensão patrimonial
O patrimônio de um povo é composto pelos saberes, tradições e manifestações culturais herdadas das gerações passadas e que tem significado e identidade com o presente. Seja na sua manifestação material ou imaterial, o patrimônio vincula o presente com o passado, dá sentido para a memória e representa um valor a ser cultivado para o presente e para o futuro.
A igreja está localizada no centro da cidade como símbolo paisagístico e arquitetônico, o que evidencia a influência histórica do catolicismo na colonização da região. É símbolo da cultura religiosa católica que se manifesta na cidade e nas comunidades do interior. A igreja é um referencial para o cotidiano da população de São João do Oeste que a identifica como um valor de cultura e de tradição e por isso, precisa ser vivenciada, valorizada e constantemente restaurada para que se perpetue para as gerações futuras.
Atualmente a Igreja é espaço de convivência comunitária, sendo espaço de atividades celebrativas e festivas, como a Deutsche Woche (Semana Alemã) no mês de Julho e a Erntedankfest (Festa da Colheita) no mês de Maio.
A conexão que a arquitetura tem com seu entorno é de considerável valor paisagístico, manifestado pelo conjunto da Praça, com destaque para o ajardinamento e as árvores de pinus, que charmosamente acolhem uma ninhada de periquitos que contribuem ainda mais por valorizar o espaço no contexto da cidade.
A Igreja é reconhecida como a maior igreja construída totalmente em madeira da América Latina.
Coro construído em madeira



Detalhe do Campanário

Detalhe do encaixe e numeração, caracterizante do enxaimel (Fachwerk)

Campanário


Torre com detalhe do formato Capacete Renano











Um comentário:

  1. Morei até os 13 anos em São João. Tenho lembranças de missas, sábados de cataquese e festas comunitárias na igreja... Belo registro! Parabéns!

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