A Vila São João
Para compreender a dimensão de uma Igreja como a de São João
do Oeste, primeiro é preciso compreender Porto Novo. Olhar uma igreja com essas
dimensões, com essa arquitetura monumental e esplendorosa nos remete a pensar:
quanto esforço comunitário foi necessário para construí-la? Quanto sacrifício?
Quanto trabalho comunitário? Quanto conhecimento e audácia construtiva foram
despendidos num projeto dessas dimensões? Uma resposta nos vem nesse momento: essas
igrejas simbolizam os pilares de Porto Novo.
A colonização de São João do Oeste iniciou em 1932, no
contexto da Colonização Porto Novo (Itapiranga, Tunápolis e São João do Oeste),
projeto colonizador iniciado em 1926 pela Volksverein.
A tradição do catolicismo e da germanidade é um marco significativo desde o
início da colonização, sendo a Igreja um dos primeiros edifícios construídos nos
centros comunitários das linhas coloniais. O espaço comunitário foi
significativo para o desenvolvimento da colônia e por isso o tripé
igreja-escola-clube reflete a paisagem de grande parte das comunidades
católicas ainda na atualidade.
Um projeto colonizador tão audacioso, que pretendeu unir o
catolicismo e o germanismo frente aos desafios da moral comunitária do início
do século XX mereceu todas as atenções do clero católico. Não demorou para o
Bispo de Palmas vir ver com seus próprios olhos o projeto da Volksverein. Isso
aconteceu em 1940, instantes antes da Segunda Guerra Mundial, e a Vila São João
não perdeu tempo em requisitar seu status de paróquia. Na verdade, a Vila São
João já havia sido demarcada pela colonizadora para ser desde o princípio um
centro, uma potencial cidade. Esse marco significativo para a comunidade
católica da Vila São João ocorreu em 1951, quando foi elevada à categoria de
Paróquia São João Berchmans pelo então bispo de Palmas, Dom Carlos Eduardo
Sabóia Bandeira de Melo. Para conquistar o título de Paróquia, a Vila precisava
de uma igreja com uma amplitude que atendesse a tal pretensão. A comunidade o
fez com maestria. O padroeiro São João Berchmans é reconhecido no catolicismo
como referência da Companhia de Jesus, congregação muito atuante na história de
Porto Novo e ainda presente na comunidade local.
A dimensão
arquitetônica da igreja
A primeira capela toda em madeira da Vila São João foi
construída em 1934, sob liderança do Pe Teodoro Treis S.J. Na época de sua
construção 12 famílias residiam na pacata vila. A atual Igreja Matriz da
Paróquia São João Berchmans de São João do Oeste teve sua construção iniciada
no ano de 1945 sendo concluída no ano de 1948. Sua planta retangular possui as
consideráveis medidas de 38mx14m, totalizando 532m². Nessa composição se formam
uma nave central, duas naves laterais, um altar com presbitério todo em
madeira, sacristia.
A técnica
construtiva vernacular reflete a simbiose característica do processo
colonizador, que aliou conhecimentos trazidos pelas famílias com os materiais
disponíveis na região e as técnicas que foram adaptadas ao meio e às
necessidades das dificuldades e limitações do período. Sua estrutura em madeira
reflete o padrão construtivo enxaimel (Fachwerkbau)
muito comum em colonizações alemãs. Mesmo não estando aparente, o enxaimel está
presente na estrutura da Igreja e pode ser percebido no campanário, que possui
dois sinos importados da Alemanha em 1954.
A
necessidade da construção de um campanário em anexo se deu em virtude da
impossibilidade de alocar os sinos na torre. Sua estrutura enxaimel pode ser
percebida através do sistema de encaixe através de pregos de madeira (Holznägel) e pela numeração em números
romanos que determina a sequência da estrutura. Esses elementos precisam ser
valorizados, pois exponencializam a arquitetura da igreja.
A única
torre da igreja (Turm), é encimada
por telhado em formato Capacete Renano (Rheinisch Helm ou Rhombendach). O telhado renano consiste numa
composição cumeira formada de quatro losangos irregulares com dimensões iguais,
sustentado por quatro frontões. É um padrão arquitetônico muito utilizado em
Igrejas de arquitetura românica, muito comum na região da Renânia na fronteira
entre Alemanha, Suíça, França e Holanda, às margens do Rio Reno, principalmente
no território sob predominância do catolicismo. É também a região do Hunsrück, origem de muitos imigrantes
alemães que imigraram para o Brasil.
Essa característica arquitetônica manifesta uma conexão entre a
história e a atualidade, conectando duas regiões que possuem uma identidade
histórica materializada pela memória das famílias imigrantes.
Na época de
sua construção havia relativa abundância de madeira na região e a atividade
madeireira representou um símbolo de colonização e ocupação do espaço pelas
famílias colonizadoras. O projeto da Igreja é de autoria de Franz Deiss,
que também participou da construção da
Igreja Matriz de Itapiranga. Hans Merkel foi o mestre carpinteiro, função que
também exerceu na construção das igrejas de Linha Popi e Linha Santa Cruz. Franz
e Hans imigraram da Alemanha no início da década de 1930 com formação em
carpintaria e por isso dominavam a técnica construtiva com maestria. Pedro
Follmann prestou os serviços de contramestre. Adolfo Grasel organizou a coleta
de donativos em dinheiro e da madeira junto às famílias. Diversas pessoas da
comunidade auxiliaram no trabalho voluntário de construção da Igreja (Frohnarbeit). As madeiras utilizadas
foram principalmente a grápia, cabriúva e loro.
Originalmente
o telhado era coberto com a telha em madeira (Schindeln), muito comum nos primeiros anos de colonização. Os
bancos foram fabricados pela carpintaria de Edgar Hammes e as aberturas pela
marcenaria de Alberto Junges. A primeira pintura externa foi de cal virgem.
No interior
da Igreja há um coro hoje desativado, onde nos primeiros anos se apresentava o
coral, tendo como acesso duas escadas em madeira. Atualmente o coro se encontra
junto ao altar, onde regularmente se apresenta o Coral Santa Cecília,
refletindo a conexão entre a cultura musical e arquitetônica. Junto ao coro
ainda se encontra o antigo harmônio como uma relíquia da música sacra.
Também
podemos perceber o confessionário (Beichtstuhl), móvel muito
comum na colonização local e representativo para o imaginário e a cultura
católica. O confessionário é um móvel de relevância histórica e simboliza a
cultura do catolicismo local, refletindo a memória de uma cultura social
manifesta por uma fervorosa religiosidade. Esses objetos precisam ser
conservados porque representam a memória e sua dimensão simbólica. A arte sacra
presente no altar e ao longo do templo são de considerável valor patrimonial. A imagem de São João Berchmans, feita em madeira no ano de 1956, foi confeccionada por Ludwig Lengert, carpinteiro de Linha Presidente Becker. A imagem representa o padroeiro segurando uma cruz, um terço e as regras da Companhia de Jesus.
Fachada lateral, 1950. Fonte: Casa da Cultura de SJO. |
Fachada frontal em 1950. Fonte: Casa da Cultura de SJO |
Vista da Vila São João com a Igreja como ponto focal. |
Congregação Mariana na década de 1950 |
Visita do Bispo de Palmas, Dom Carlos Saboia de Melo |
Inauguração e Benção do Campanário em 1956 |
Os sinos de Bochum
Os sinos foram adquiridos em 1956, provindos da Alemanha, fabricados na cidade de Bochum. Foi adquirido um conjunto de sinos, dos quais os dois maiores foram agregados ao campanário da Igreja Matriz e os demais foram doados para capelas de comunidades do interior. Nos sinos consta as dimensões, o tom musical e as inscrições em alemão:
F 1260 mm – Heiliger Johannes Berchmans, bewahre uns in der Reinheit (São João Berchmans, guarda-nos na pureza).
AS 1045 mm – HL. Barbara, du edle Braut, mein Leib und Seel sei dir vertraut (Santa Bárbara, tu nobre esposa (noiva), meu corpo e alma te são confiados).
G 1110 mm – Du bist Petrus, der Fels, beschütze die heilige Kirche (Tu és Pedro, a rocha, protege a santa Igreja).
AS 1045 mm – O unbefleckt empfangnes Herz, bitte für mein armes Herz (Ó imaculado coração misericordioso, roga por meu pobre coração).
A 980 mm – Hl. Theresia von Kinde Jesu, du makollose Lilie, bitte für uns (Santa Teresa do Menino Jesus, lírio de pureza, roga por nós).
Sua dimensão patrimonial
O patrimônio de um povo é composto pelos saberes, tradições e
manifestações culturais herdadas das gerações passadas e que tem significado e
identidade com o presente. Seja na sua manifestação material ou imaterial, o
patrimônio vincula o presente com o passado, dá sentido para a memória e
representa um valor a ser cultivado para o presente e para o futuro.
A igreja está localizada no centro da cidade como símbolo
paisagístico e arquitetônico, o que evidencia a influência histórica do catolicismo
na colonização da região. É símbolo da cultura religiosa católica que se
manifesta na cidade e nas comunidades do interior. A igreja é um referencial
para o cotidiano da população de São João do Oeste que a identifica como um valor
de cultura e de tradição e por isso, precisa ser vivenciada, valorizada e
constantemente restaurada para que se perpetue para as gerações futuras.
Atualmente a Igreja é espaço de convivência comunitária,
sendo espaço de atividades celebrativas e festivas, como a Deutsche Woche (Semana Alemã) no mês de Julho e a Erntedankfest (Festa da Colheita) no mês
de Maio.
A conexão que a arquitetura tem com seu entorno é de
considerável valor paisagístico, manifestado pelo conjunto da Praça, com
destaque para o ajardinamento e as árvores de pinus, que charmosamente acolhem
uma ninhada de periquitos que contribuem ainda mais por valorizar o espaço no
contexto da cidade.
A Igreja é reconhecida como a maior igreja construída
totalmente em madeira da América Latina.
Coro construído em madeira |
Detalhe do Campanário |
Detalhe do encaixe e numeração, caracterizante do enxaimel (Fachwerk) |
Campanário |
Torre com detalhe do formato Capacete Renano |
Morei até os 13 anos em São João. Tenho lembranças de missas, sábados de cataquese e festas comunitárias na igreja... Belo registro! Parabéns!
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