Curso de Arquitetura e Urbanismo - Uceff Itapiranga
A
história de Luiz Francisco Ott
Qual a herança que deixamos para a posteridade? O
que construímos ao longo de nossa vida e que se mantêm como patrimônio para as
gerações futuras?Certamente uma
profissão que deixa sua marca na paisagem é a de construtor (Baumeister). Construir uma residência
envolve conhecimento, envolve talento. Um traço marcante, um volume, um
ornamento, um formato de telhado, o acabamento, um detalhe significativo.
Construir é uma obra de arte.
Luiz Francisco Ott é um construtor que merece o
reconhecimento pela sua importância para a história de Porto Novo. Construiu
inúmeras residências em alvenaria e madeira que atualmente compõe a paisagem do
núcleo histórico de Chapéu-Capela-Macuco. Sua contribuição para a história de Porto Novo
é inestimável e precisa ser reconhecida pelo seu talento e inovação que hoje
dignifica o patrimônio arquitetônico e materializa a memória da colonização.
Luiz nasceu 24 de Agosto de 1922 em São Sebastião do
Caí. Filho de Jacob e Paulina Ott, aprendeu desde cedo o ofício de pedreiro e
de carpinteiro. Casou-se com Erna Flach no ano de 1946, com quem teve 15
filhos. Devido às dificuldades na velha colônia e ao desafio de melhorar a sua
vida, veio morar na Linha Chapéu em 1949. Durante três anos morou na vila de
Chapéu e depois adquiriu uma propriedade agrícola onde passou a viver com sua
família. Luiz faleceu no ano de 2005 deixando um legado muito significativo
para a história de Porto Novo.
A
sua herança para Porto Novo
Em Porto Novo, Luiz aprimorou sua habilidade de
construtor sempre motivado pela inovação. Luiz se destacou pela sua habilidade
na carpintaria e na confecção de objetos e aberturas em madeira. Na década de
1950 que construiu a maior parte das edificações que ainda se encontram pela
região. Na maioria das casas que
construiu foi ele mesmo quem fez as aberturas em madeira com um aprimorado
requinte. Com a habilidade na madeira produziu objetos para residências, oratórios,
nichos em madeira e inclusive caixões para sepultamento.
Ao longo de sua atividade como construtor colaborou
na construção de inúmeras residências e igrejas. Auxiliou na construção da
igreja de Bom Princípio-RS e na igreja de Linha Chapéu, juntamente com seu
irmão José, que morou por ali durante um ano enquanto perdurou a obra. José foi
quem inclusive construiu o campanário (Turm)
da igreja.
Igreja de Linha Chapeu, Itapiranga. Fonte: Arquivo da família Ott.
Igreja de Bom Princípio, RS. Fonte: Arquivo da família Ott
Como residências podemos
destacar a da família Düngersleben (pioneira de Porto Novo), da família Meier
em Macuco, da família Machry em Chapeu, da família Burich em Macuco, da família
Terhorst em Chapéu, da família Machry/Sidegum em Chapéu. Inúmeras outras foram
construídas pela região. Seu filho Miguel lembra que seu pai, várias vezes
ficava muitas dias fora de casa trabalhando como construtor.
Residência Düngersleben no ano de sua construção em 1959. Fonte: Arquivo da família Ott.
O que diferencia o trabalho de Luiz Ott é sua
habilidade como carpinteiro e sua perspicácia na produção de ornamentos na
fachada das residências em alvenaria, além de dominar a técnica da escaiola.
Como carpinteiro construiu a casa enxaimel da família Machry em Chapeu, que
hoje ainda está em ótimo estado de conservação. As aberturas de grande parte das residências
que construiu ele mesmo fez, deixando sua marca com detalhes e florais nas
portas.
As casas de alvenaria eram construídas sem o uso de
ferro, somente com tijolos maciços e barro. Os telhados em formato cupiá são
outro elemento significativo para essas residências históricas. Sua habilidade
na ornamentação de fachadas delineou seu estilo e seu talento. Geralmente
esculpia na fachada os letreiros do proprietário, o ano de construção além de
volumes e desenhos como estrelas e formas geométricas. Nos anos 1950 era comum se fazer uma fundação
com blocos maciços de pedra, trabalho feito na maioria das vezes por Wilibaldo
Schmitz. Nas residências Meier e Burich de Macuco, essas pedras foram tiradas
do leito do Rio Macuco e transportadas de carroça até a propriedade da família.
Em geral a construção de uma casa demorava em torno de um ano para ser
concluída.
A escaiola é outra marca registrada de Luiz Ott.
Essa é uma técnica centenária trazida da Europa e criada na época do
Renascimento parar imitar o granito e o mármore da era clássica. Consiste na
técnica de aplicação de gesso ou cimento na parede com aplique de alguma
tintura, o que proporciona uma aparência texturizada muito significativa. Em
Porto Novo, Luiz utilizou da técnica de escaiola na maioria das residências que
construiu. Para a confecção da escaiola ele fez uso de duas variações.A primeira consistia na simples aplicação de
cimento branco na parede com a aplicação posterior de aplique de tinta, que ele
fazia com um pincel confeccionado com uma espiga de milho envolto naqueles
antigos sacos de soja costurados a mão. Com uma perspicácia e uma paciência
memorável, ele aplicava a tintura ordenadamente na parede proporcionando um
mosaico muito aprimorado. A segunda forma de escaiola, essa mais original e
requintada, era feita com uma massa formada de cimento branco, leite e tinta. O
aplique desse composto na parede gerava um efeito muito texturizado, liso e
brilhante.
Outro elemento a destacar é a confecção dos
parapeitos e guarda corpos de escadarias e varandas, feitos artesanalmente por
Luiz. Para tal ele utilizava um formão com os detalhes entalhados em seu fundo
onde era despejado o cimento. Esses detalhes eram feitos de florais e símbolos
geométricos. É por isso que Luiz precisa ser valorizado na história de Porto
Novo. Graças ao seu talento temos em nossa região residências coloniais de
considerável valor arquitetônico.
A sua própria residência na Linha Chapéu foi
construída em várias etapas, mas já na fundação se encontra a técnica escaiola
presente, o que demonstra que Luiz trouxe a técnica do Rio Grande do Sul. A
última etapa da construção é hoje a fachada frontal, que Luiz durante muito
tempo deixou sem pintar aspecto que, segundo seu filho João, ao deixar o reboco
à mostra proporcionava um maior requinte e originalidade à edificação. Essa
curiosidade demonstra a preocupação de Luiz Ott com a originalidade de suas
obras.
As residências que hoje estão presentes na paisagem
da região histórica de Chapéu e Sede Capela (Itapiranga) e Macuco (São João do
Oeste) precisam ser valorizadas pela comunidade local. Esse núcleo histórico é
de considerável valor de memória para a região, tendo um potencial
significativo para o turismo, para a cultura e para a história. A contribuição
de Luiz Francisco Ott para a arquitetura local foi muito significativa e a
valorização desses personagens da história de Porto Novo é uma obrigação para
com a história dos colonizadores, porque reflete o conhecimento, a
engenhosidade, a perspicácia, a criatividade e o valor de cultura que
carregamos como herança do passado.
Residência Ott e os filhos Miguel e João, Linha Chapeu.
Residência Ott, Linha Chapeu.
Residência Düngersleben na atualidade. Linha Chapeu, Itapiranga.
Residência Burich, Linha Macuco. São João do Oeste
Residência Burich, Linha Macuco.
Guarda corpo na residência Ott.
Porta com detalhes entalhados na madeira. Residência Düngersleben
Escaiola na residência Ott
Escaiola na Residência Ott.
Residência Terhorst, Linha Chapeu.
Residência Machry, Linha Chapeu.
Residência Sidegum/Machry. Linha Chapeu
Guarda corpo, residência Sidegum/Machry.
Escaiola feita de cimento branco, água e leite, na Residência Terhorst.
Porta com detalhes entalhados na madeira. Residência Ott.
O canto coral é outro elemento significativo
para a cultura local. Presente desde os primeiros tempos da colonização é um
valor cultural herdado da imigração alemã do século XIX.As sociedades de corais em colônias alemãs do
Brasil foram implantadas nos mesmos padrões das Gesangvereine e Singvereine,
muito comuns na Áustria e na Alemanha do século XIX. Na visão de Gabriel e
Souza (2017), na Europa essas instituições aglomeraram atividades culturais que
até então eram vinculadas à instituições tradicionalmente constituídas e que
perderam espaço na sociedade naquele período, como as cortes e as igrejas. No
contexto da imigração “imigrantes alemães residentes em diversas regiões brasileiras
procuraram perpetuar a tradição dessas sociedades corais europeias no Brasil
com a fundação de suas próprias associações em território brasileiro” (GABRIEL;
SOUZA, 2017, p. 88).
Em
Itapiranga a prática coralista esteve muito atrelada à Igreja Católica,
estimulada principalmente pelos padres jesuítas. É preciso destacar de que
grande parte da prática do canto coral historicamente esteve atrelada a uma
prática cultural sem fundamentação erudita. Ou seja, grande parte dos regentes
de coral e dos cantores não possuía uma formação acadêmica. As comunidades que
se formaram na colonização de Itapiranga constituíram um padrão social em que a
prática religiosa era muito consistente, e nessa dinâmica se formou a tradição
coralista, principalmente de vertente sacra.
Coral da Associação Cultural Fai, 2018
Membros de Corais de Itapiranga na celebração dos 90 anos de Porto Novo.
Regentes de Corais homenageados pela Aceti.
A
maioria das comunidades de Itapiranga possuía seu próprio coral, formado por
homens e mulheres. Em alguns casos houve a ocorrência do coral masculino,
formados por vozes de homens que se tornou um elemento muito presente na
cultura local. Nesse sentido, um elemento muito importante para compreender o
canto coral em Itapiranga foram as escolas paroquiais, onde em cada comunidade
se instalava uma escola para a educação das crianças e adolescentes.
Geralmente, como ocorreu na maioria das comunidades, o professor dessa escola
era nomeado pela comunidade e pela colonizadora. O professor era uma
personalidade e uma liderança na comunidade, lidava com questões de educação e
de cultura, estando à frente de atividades culturais e recreativas, como era,
por exemplo, a regência do coral. Nessas escolas paroquiais as crianças tinham
instruções musicais e eram estimuladas no canto coral, o que colaborou na
formação de uma cultura musical muito consistente (EIDT, 1999).
“Ter um coral para
cantar nas missas era uma questão religiosa, mas também fazia bem ao ego dos
habitantes locais, visto que a falta de um coral na comunidade diminuía a
imagem da mesma e da sua gente. Nos anos 70, foram introduzidas as Associações
Corais, as quais filiaram todos os simpatizantes e interessados, formando um
órgão administrativo e mantenedor do coral. Neste esquema, o direito elementar
do sócio aparece in memoriam et in
réquiem, pois terá a presença do coral após a sua morte, na missa do seu
enterro ou na de algum familiar seu” (JUNGBLUT, 2000, p. 354)
A
prática do coral representa um elemento muito significativo para a cultura
local. Está inserida no cotidiano das comunidades, nas práticas simbólicas e
nas celebrações no espaço rural e urbano. Durante grande parte da história de
Itapiranga, principalmente com a ausência da energia elétrica e da televisão, o
canto representou um elo de pertencimento e de identidade, onde as pessoas se
reuniam para cantar e celebrar. Nesse sentido, o canto coral é uma das várias
manifestações musicais herdadas historicamente e ressignificadas pela dinâmica
da cultura.
O canto cria laços afetivos
e sensoriais com a história, mantêm vivo um sentimento de identidade e de
pertencimento, a lembrança de um passado, das gerações antecessoras, da memória
do imigrante e da terra natal Alemanha. Nesse sentido, o canto coral tem um
papel significativo na dinâmica do patrimônio imaterial, porque permeia vários
elementos significantes da identidade e da memória local. A identidade é uma
construção social que se fundamenta na diferença, nos processos de alteridade
ou de diferenciação simbólica. Para Arévalo, “a memória é um elemento
constituinte do sentimento de identidade, na medida em que ela é um fator
extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma
pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si” (ARÉVALO, 2004, p. 934).
No ano de 1964 foi fundada a
Liga Cultural e Artística de Coros da Fronteira, entidade que engloba os corais
de diversos municípios da região Extremo-Oeste de Santa Catarina. Em Itapiranga
a entidade que coordena as atividades dos corais é a Associação Itapiranguense
de Coros (Ascorita), que engloba treze corais do município. O fortalecimento
dessas entidades demonstra o quão significativo é o canto coral para a história
local permeando a concepção de patrimônio imaterial e sua relação de
proximidade com a identidade cultural.
Apresentação Coral São Pedro Canísio.
Coral Municipal de Vozes Masculinas de Itapiranga
Referências de Pesquisa
ARÉVALO. J. M. La tradición,
el Patrimônio y la identidad. In: Revista
de estúdios extremeños, Vol 60, nº 3, p. 925-955, 2004.
GABRIEL, Ana Paula; SOUZA,
Susana Cecília. Martin Braunwieser (1990-1991) e sociedades corais alemãs de
São Paulo: práticas de repertório europeu. In: VIDEIRA, Mário; DE OLIVEIRA,
Ísis Biazioli (Orgs.). Anais da Jornada
Acadêmica Discente do Programa de Pós Graduação em Música ECA/USP. São
Paulo: ECA-USP, 2017, p. 86-97.
JUNGBLUT, Roque. Documentário Histórico de Porto Novo. São Miguel do Oeste: Arco
Íris Gráfica e Editora, 2000.
A Oktoberfest é uma festa que surgiu na
Alemanha no início do século XIX na região da Baviera, mais precisamente na
cidade de Munique.Assim como qualquer
tradição, ela foi uma celebração criada e que acabou se tornando popular com o
passar dos anos ao ponto de ter se expandido para várias regiões do mundo,
principalmente onde se instalaram imigrantes alemães. A origem da festa na Alemanha se remete ao
casamento real entre Ludovico da Baviera e a princesa Teresa de Saxe-Hildburghausen, que ocorreu no mês de Outubro
e que se tornou popular e uma tradição anual por ser associado às comemorações
de fim de verão e início de Outono na Alemanha. Atualmente a Oktoberfest é uma
festival folclórico reconhecido internacionalmente e leva uma multidão de turistas
à cidade de Munique.
Em Itapiranga, os registros da primeira edição
são datados do ano de 1978, quando, segundo o histórico oficial do evento, um
grupo de amigos se reuniu na comunidade de Linha Presidente Becker para iniciar
uma comemoração aos moldes da que ocorria na Alemanha. Segundo o histórico do
evento, a ideia “foi de realizar uma festa específica da comunidade
para cultivar e preservar a cultura alemã” (OKTOBERFEST, 2018). Com esta data,
Itapiranga defende a posição de ser o berço nacional da Oktoberfest. Em 2018 foi inagurado em Linha Becker o memorial da Oktoberfest de Itapiranga.
Memorial da Oktoberfest. Fonte: OesteMania.net
Com essa origem
comunitária a Oktoberfest cristaliza um vínculo simbólico e histórico com a
Alemanha, no sentido de manifestar uma festa de caráter localizado e restrito a
uma comunidade com vínculos de proximidade identitária. Com o passar dos anos,
a festa começou a ganhar proporções maiores, passando a ser realizada inclusive
na cidade de Itapiranga, onde se construiu um complexo para tal finalidade. Com
essa dimensão, a Oktoberfest adentrou num outro campo de ação em relação à
dimensão patrimonial, que é o turismo cultural.
Com a dimensão
turística potencializada, Itapiranga se encontra diante do dilema de manter
vínculos simbólicos de identidade histórica e cultural frente ao processo de
mercantilização e comercialização da festa. Nada impede que as dimensões
culturais e comerciais sejam aproximadas e se complementem para objetivos
comuns. No entanto, à medida que a Oktoberfest se torna um fator de geração de
renda através do turismo cultural, há uma fragmentação das identidades
comercializadas, ou seja, se constituem elementos de divergência entre
simbologias genuinamente culturais e históricas em detrimento de um maniqueísmo
imagético que atende ao desejo de se constituir uma “imagem para turista
ver”.
Oktoberfest na Linha Becker. Fonte: OesteMania.net
O
que se constata é um esforço por manter práticas que fortaleçam o laço entre a
festa e a identidade cultural. Esse esforço se cristaliza numa agenda ampla de
atividades socioculturais que ampliam o horizonte de abrangência da
Oktoberfest, criando vínculos com a comunidade local. Um exemplo é a escolha
das soberanas da festa que representam entidades da comunidade itapiranguense.
Outra atividade nesse sentido é representada pela escolha do casal Fritz e
Frida e do concurso do casal Opa e Oma. Na
agenda da festa de 2018 se percebeu também um esforço por realizar atividades
culturais o que representa uma iniciativa no sentido de fortalecer os laços da
Oktoberfest com a cultura local.
Concurso Fritz e Frida. Fonte: Site Prefeitura Itapiranga
Concurso Opa e Oma. Fonte: Site Prefeitura Itapiranga
Vídeo da Oktoberfest da Melhor Idade 2018
Fato
é de que a Oktoberfest simboliza uma festividade de identidade germânica da
população local. A festa em si representa um momento que sintetiza toda uma
gama de práticas culturais cotidianas, que vão desde hábitos alimentares,
celebrações, valores, padrões de comportamento, formas de se vestir e formas de
se expressar.
A culinária representada através dos hábitos alimentares, é um reflexo direto dos padrões de comportamento de determinada
cultura. Ela representa formas de vida, representações, técnicas, conhecimentos
e saberes, representado através de um alimento. O alimento e sua significação
culinária, evoca os sentidos de vida e são um referencial sobre os costumes e
as tradições culturais de um povo.Na concepção de Giustina e
Selau, a elaboração dos alimentos envolve técnicas, elementos e artefatos que
trazem o conhecimento adquirido no tempo. Segundo os autores, o alimento é
considerado um patrimônio cultural, sendo que pode evocar a memória e despertar
lembranças de um momento outrora vivido.
Este conhecimento, se
não registrado, pode se perder, com isso gerações futuras não terão
oportunidade de conhecer este passado. É importante a preservação deste saber
fazer, a manutenção e transmissão continuada do conhecimento adquirido pelos
povos, pois assim fortalece a identidade, a cultura e as práticas de seu
patrimônio cultural material e imaterial. (GIUSTINA; SELAU, 2009, p. 46)
A culinária é um bem
patrimonial que reconfigura com o passar dos tempos. Sendo de valor imaterial,
está atrelado à saberes, conhecimentos e técnicas de preparo. Esta perspectiva
se torna simbólica quando vislumbramos a imigração, por exemplo. Todo imigrante
carrega consigo valores culturais, que se se adaptam ao meio e se reconfiguram
no novo espaço de moradia. Essa adaptação ocorre devido ao clima, aos recursos
naturais, às condições de vida e de trabalho e principalmente à disponibilidade
dos alimentos. Nessa trajetória elementos de referência se perdem mais inúmeros
outros se agregam.
Se
formos vislumbrar a imigração da Alemanha para o Brasil, percebe-se que houve
condicionantes de adaptação à nova realidade vivenciada em território
brasileiro. Ou seja, padrões alimentares e culinários originários da Alemanha
se perderam ou se reconfiguraram. Em muitos casos houve inclusive um alimento
agregado à culinária do imigrante alemão. Temos como exemplo a mandioca, ou
aipim. Esse alimento não constava dos hábitos alimentares na Europa e foi
agregado aos hábitos alimentares do imigrante em território brasileiro. Poderíamos
citar também o feijão e inúmeras frutas e legumes, sem esquecer do chimarrão,
uma bebida quente típica do Rio Grande do Sul que foi assimilada pelos alemães
e se transformou num hábito alimentar.
Diversos
alimentos configuram os hábitos alimentares de tradição germânica em
Itapiranga. A colonização e as condições de vida dos colonizadores,
principalmente pela inexistência de energia elétrica nas primeiras décadas,
impôs muitos determinantes para a produção e principalmente para a conservação
de alimentos. Por isso, as conservas ou compotas, representam uma tradição
culinária da região. Nesse sentido destaca-se a produção de geleias de frutas
(conhecidas em alemão como schmia) e
as conservas de legumes como pepino, beterraba e repolho (conhecido como
chucrute ou sauerkraut). Confira no vídeo abaixo o preparo do chucrute:
Os derivados da carne também
são comuns na culinária alemã. Nas primeiras décadas, devido à falta de energia
elétrica, a conservação da carne era feita dentro de uma lata com a banha do
porco. Outra tradição comum derivada da carne é a linguiça embutida, tendo
diversas variações como a spritzwurst
(linguiça defumada), blutwurst (linguiça de sangue), koppwurst (conhecida
como morcilha).
Spritzwurst
Conforme
Eidt (2011), em Itapiranga os determinantes e condicionantes territoriais
forçaram um padrão adaptativo ao meio que afetaram as formas de vida da
população. Nesse sentido, as práticas culinárias se readaptaram e se
reconfiguraram aos determinantes socioespaciais.
A
produção de derivados de farinha de trigo e de milho também são um elemento
significativo para o patrimônio culinário local. Os pães, bolos e bolachas são
tradições cultivadas pelas famílias de Itapiranga.
A cuca, ou kuchen, representa um alimento que
potencializa a identidade germânica local. Compreender a abrangência da cuca (kuchen) é vislumbrar a relação ambígua
entra a história, a identidade e os costumes culinários locais. Nas primeiras décadas de colonização, com a
escassez de açúcar, a cuca era um alimento preparado para ocasiões especiais,
como era a Kerbfest, a festa do
padroeiro de determinada comunidade católica, um casamento, uma festa
comunitária ou no Natal e na Páscoa. A cuca possui inúmeras variações, podendo
ser preparada com frutas como a uva, ou até mesmo com doces e geleias.
Cuca de uva
No ano de 2018 a Prefeitura
Municipal de Itapiranga instituiu o “Dia
D Deutschland”, uma iniciativa em parceria com o comércio local visando
estimular atividades culturais alusivas à identidade germânica local. Nesse dia
o comércio e os restaurantes se organizam para oferecer uma gastronomia típica,
aspecto que fortalece o interesse por vincular a identidade histórica ao
fomento às práticas de turismo e desenvolvimento econômico de Itapiranga.
Outra iniciativa do poder público
municipal foi a edição de um livro com o resgate de receitas culinárias
consideradas típicas da cultura alemã de Itapiranga. O livro é composto de
receitas de bolachas, biscoitos, bolos, tortas, cucas, sobremesas, pães e
salgados diversos e foi elaborado com a colaboração de mulheres que no
documentário demonstram as receitas e as formas de preparo desses alimentos.
Todas essas iniciativas colaboram no fomento às práticas de conservação da
culinária simbólica da colonização, constituindo um elemento vinculador da
cultura com a história e a memória.
Na
programação da Oktoberfest há o Café Colonial, espaço culinário que serve
alimentos vinculados à tradição germânica.Um desses pratos é o Eisbein,
feito com joelho de porco e acompanhado de purê de batata.Obviamente temos de compreender o Eisbein como uma regalia culinária que
atualmente é servida como um prato típico de alto valor agregado. Quando
imaginamos o preparo desse alimento nas famílias dos colonizadores alemães, em
suas práticas cotidianas, temos de vislumbrar um preparo bem mais modesto
devido às dificuldades adversas da vida colonial.
Eisbein mit kartoffeln. Eisbein com batatas.
Referências de pesquisa
EIDT, Paulino. Projeto Porto Novo: utopia ou
etnocentrismo? In: Revista Esboços, v. 18, n. 25, p. 184-211, ago 2011.
GIUSTINA, Adelina Padilha; SELAU, Maurício da Silva. A culinária como
patrimônio cultural imaterial. In: Cadernos
do CEOM, p. 45-67, ano 23, n. 31, 2009
Pesquisa e elaboração: Claudina
Badalotti, Douglas Franzen, Patricía de Oliveira, Gabriel Chaves
Curso de Arquitetura e Urbanismo Uceff
Itapiranga
A
casa e sua história
Quantas
histórias tem uma casa? Quantas vivências? Quantos Natais e Páscoas com pessoas
queridas? Quantas refeições em família? Quais as histórias de vida de cada
pessoa vivenciadas na casa dos pais e dos avós? O cheiro do bolo e o sabor das
bolachas. As brincadeiras no quintal e as histórias do sótão em dias de
chuva.
A
residência da Família Werlang de Itapiranga é mais uma casa que transborda
memória. As paredes, as janelas, as portas, os cômodos respiram história. Registram
memórias familiares, momentos de afeto e de carinho. Todas essas histórias
vivenciadas e a importância que essa residência tem para a paisagem de
Itapiranga são dignas de preservação. E é isso que Cládis, Silvestre e Angélica
preservam no aconchego da casa enxaimel: as memórias da família. A família
cuida com carinho dessa relíquia da arquitetura itapiranguense e se sente
orgulhosa em poder mantê-la viva como um valor da história e da identidade
local. É nessa dimensão que temos de entender o patrimônio histórico: algo que
tenha valor, que tenha sentido e que seja vivenciado pelas pessoas e pela
comunidade. A cidade e a paisagem que construímos tem relação direta com o
valor que damos para a nossa história, para tudo aquilo que já construímos e
que vamos construir.
A história da família
Werlang começou em Porto Novo no ano de 1933, quando chegaram a Itapiranga o
casal José Werlang e Angélica Stoffel Werlang. Adquiriram um lote de terra do
Volksverein e construíram uma modesta moradia de madeira. José Werlang foi, além
de professor, também escrivão, comerciante e sócio fundador da Caixa Rural,
hoje Sicoob Creditapiranga, na qual se tornou o primeiro presidente. Angélica
se dedicou aos cuidados com os filhos e ao trabalho doméstico.
Família Werlang. Fonte: Arquivo da família
Com a saída da
presidência da Caixa Rural e incentivado por amigos, José construiu em 1936 uma
nova residência tendo anexo um pequeno comércio onde vendia, principalmente, tecidos
para a confecção de roupas, além da compra e revenda de produtos coloniais,
principalmente a banha de porco.
Na época muitas pessoas
do interior da colônia buscavam auxílio médico no hospital de Itapiranga e
devido à distância muitos não tinham como voltar para casa no mesmo dia,
principalmente gestantes. Por isso, a família Werlang oferecia gratuitamente
pouso em sua casa até que se recuperassem e pudessem retornar para suas
residências no interior.
Com
o falecimento de José (1953) e Angélica (1965), o casal Edgar Werlang e
Winfrida Rost Werlang assumiu a residência e a casa comercial foi transferida
para outro endereço. Nesse local encontra-se atualmente outra relíquia da
história itapiranguense: a antiga igreja em madeira, que quando da sua
demolição na década de 1950 serviu de sede para a Comercial Werlang.
Residência Werlang na década de 1940.
Em
1993 a casa foi assumida pelo casal Silvestre e Cládis que ali buscam preservar
a memória e as histórias da família Werlang. Muitas memórias se vinculam a essa
casa. Cládis lembra que nos anos 1970, quando a política brasileira passava por
momentos conturbados, seu pai Edgar ficava ouvindo no rádio o Repórter Renner e
as crianças deviam ficar em silêncio sentadas na escada que leva ao sótão. “A
roda de chimarrão ao redor do fogão à lenha, independente de frio ou calor e,
principalmente aos domingos depois da missa quando vinham os parentes e amigos
do interior são fragmentos de vivências da casa. Também recordo com saudades
dos períodos que antecediam ao Natal e a Páscoa, época em que o sótão servia de
esconderijo para as latas de bolachas pintadas já que as mesmas só podiam ser
consumidas no dia e dias subsequentes. Também o Papai Noel, no dia de São
Nicolau (Nikolaustag) à noite tinha
espaço para nos surpreender jogando balas e pirulitos pelas janelas que já ficavam
estrategicamente abertas”, lembra Cládis.
Cládis, Angélica e Silvestre.
A
casa e sua arquitetura
O
padrão arquitetônico escolhido para a nova moradia foi o enxaimel. A estrutura
originalmente era autoportante, sendo que na parte frontal funcionava o
comércio da família Werlang, aos fundos havia a cozinha e ao lado os cômodos da
família. O pavimento superior, o sótão, ou em alemão Speiger, servia para depósito e espaço de convivência familiar. O
banheiro e a área de serviço ficavam aos fundos do terreno, sem ligação direta
com a casa.
A
varanda frontal somente foi construída mais tarde e as janelas originais também
foram trocadas por venezianas.
A residência Werlang
possui um bom estado de conservação com destaque para as linhas horizontais,
verticais e diagonais oriundas do madeiramento aparente da estrutura, aspecto
arquitetônico que define a edificação juntamente com a cobertura e o sistema
construtivo enxaimel.
O enxaimel (em alemão Fachwerk) é uma técnica construtiva
trazida pelos imigrantes alemães e adaptada ao clima e às necessidades no
Brasil. Em Itapiranga e São João do Oeste temos várias edificações nesse padrão
que necessitam de preservação, pois são exemplares dignos da história dos
colonizadores de Porto Novo. A maioria delas é preservada com muito esmero
pelas famílias, no entanto, muitas delas já foram perdidas.
As paredes alcançam uma
altura de 1,85 metros, sendo que a estrutura é toda ela em madeira de araucária
e o tramo (Fach) é de tijolos
aparentes.O revestimento final
resulta um acabamento texturizado e de considerável valor estético.
Os barrotes possuemespessuras de 12cm x 12cm, sendo que
os peitoris (brustriegel) na linha
horizontal se encaixam com os esteios (stiel)
em linha vertical e as escoras (strebe)
em diagonal. No enxaimel eram feitas marcações
para que todas as peças pudessem ser identificadas e encaixadas, podendo ser
realizada na parte interna ou externa, seguindo geralmente um numeral romano
indicando a posição da peça na respectiva parede. Por isso, de maneira geral, a
estrutura era toda montada separadamente e depois construída a edificação. Esse
trabalho com a madeira proporciona ao enxaimel um inestimável valor
arquitetônico e histórico, pois envolve um conhecimento de carpintaria e reflete
um valor cultural dos colonizadores de Porto Novo.
Podemos observar que os
carpinteiros utilizaram desta técnica para as peças da parede lateral da
residência formando assim, dois conjuntos de numerações. Na época geralmente as
plantas eram de formatos retangulares. Curioso é que cada carpinteiro possuía uma
combinação de marcação e numeração, geralmente com a utilização do formão, como
podemos perceber nas várias residências no interior do município.
O tipo de
telhado é do modelo Halbwalmdachou então “metade de telhado de
quatro águas”, seguido de uma estrutura de telhado atirantado formado por
treliças de madeira. O assoalho (fussboden) ainda é original e reflete
uma aparência requintada para o interior da residência. Como suporte do
assoalho encontramos barrotes (balken)
de madeira inteiriça.
Atualmente o telhado é
composto por telhas do tipo americanas, que possuem capa e canal na mesma peça,
uma vez que, as antigas telhas schindle de madeira
apodreceram e houve a necessidade de serem substituídas, sendo necessária ainda
a utilização de mantas térmicas devido ao calor no segundo pavimento. A
inclinação do telhado é de aproximadamente 65% nas duas aguas maiores
(laterais) e 45 % nas menores (frontal e posterior). A varanda coberta possui
uma inclinação de 45% e conta com o madeiramento aparente. Foram agregados
calhas de aço galvanizado nas laterais e na água da varanda além de serem
mantidos os espelhos da parte frontal do telhado.
A arquitetura da
residência em enxaimel concede a ela um espaço privilegiado na paisagem da
cidade de Itapiranga. Conservada com muito esmero pela família, a Residência
Werlang é uma demonstração do quão significativas as residências históricas são
para a identidade e a cultura local.