Pesquisa e elaboração: Claudina
Badalotti, Douglas Franzen, Patricía de Oliveira, Gabriel Chaves
Curso de Arquitetura e Urbanismo Uceff
Itapiranga
A
casa e sua história
Quantas
histórias tem uma casa? Quantas vivências? Quantos Natais e Páscoas com pessoas
queridas? Quantas refeições em família? Quais as histórias de vida de cada
pessoa vivenciadas na casa dos pais e dos avós? O cheiro do bolo e o sabor das
bolachas. As brincadeiras no quintal e as histórias do sótão em dias de
chuva.
A
residência da Família Werlang de Itapiranga é mais uma casa que transborda
memória. As paredes, as janelas, as portas, os cômodos respiram história. Registram
memórias familiares, momentos de afeto e de carinho. Todas essas histórias
vivenciadas e a importância que essa residência tem para a paisagem de
Itapiranga são dignas de preservação. E é isso que Cládis, Silvestre e Angélica
preservam no aconchego da casa enxaimel: as memórias da família. A família
cuida com carinho dessa relíquia da arquitetura itapiranguense e se sente
orgulhosa em poder mantê-la viva como um valor da história e da identidade
local. É nessa dimensão que temos de entender o patrimônio histórico: algo que
tenha valor, que tenha sentido e que seja vivenciado pelas pessoas e pela
comunidade. A cidade e a paisagem que construímos tem relação direta com o
valor que damos para a nossa história, para tudo aquilo que já construímos e
que vamos construir.
A história da família
Werlang começou em Porto Novo no ano de 1933, quando chegaram a Itapiranga o
casal José Werlang e Angélica Stoffel Werlang. Adquiriram um lote de terra do
Volksverein e construíram uma modesta moradia de madeira. José Werlang foi, além
de professor, também escrivão, comerciante e sócio fundador da Caixa Rural,
hoje Sicoob Creditapiranga, na qual se tornou o primeiro presidente. Angélica
se dedicou aos cuidados com os filhos e ao trabalho doméstico.
Família Werlang. Fonte: Arquivo da família |
Com a saída da
presidência da Caixa Rural e incentivado por amigos, José construiu em 1936 uma
nova residência tendo anexo um pequeno comércio onde vendia, principalmente, tecidos
para a confecção de roupas, além da compra e revenda de produtos coloniais,
principalmente a banha de porco.
Na época muitas pessoas
do interior da colônia buscavam auxílio médico no hospital de Itapiranga e
devido à distância muitos não tinham como voltar para casa no mesmo dia,
principalmente gestantes. Por isso, a família Werlang oferecia gratuitamente
pouso em sua casa até que se recuperassem e pudessem retornar para suas
residências no interior.
Com
o falecimento de José (1953) e Angélica (1965), o casal Edgar Werlang e
Winfrida Rost Werlang assumiu a residência e a casa comercial foi transferida
para outro endereço. Nesse local encontra-se atualmente outra relíquia da
história itapiranguense: a antiga igreja em madeira, que quando da sua
demolição na década de 1950 serviu de sede para a Comercial Werlang.
Em
1993 a casa foi assumida pelo casal Silvestre e Cládis que ali buscam preservar
a memória e as histórias da família Werlang. Muitas memórias se vinculam a essa
casa. Cládis lembra que nos anos 1970, quando a política brasileira passava por
momentos conturbados, seu pai Edgar ficava ouvindo no rádio o Repórter Renner e
as crianças deviam ficar em silêncio sentadas na escada que leva ao sótão. “A
roda de chimarrão ao redor do fogão à lenha, independente de frio ou calor e,
principalmente aos domingos depois da missa quando vinham os parentes e amigos
do interior são fragmentos de vivências da casa. Também recordo com saudades
dos períodos que antecediam ao Natal e a Páscoa, época em que o sótão servia de
esconderijo para as latas de bolachas pintadas já que as mesmas só podiam ser
consumidas no dia e dias subsequentes. Também o Papai Noel, no dia de São
Nicolau (Nikolaustag) à noite tinha
espaço para nos surpreender jogando balas e pirulitos pelas janelas que já ficavam
estrategicamente abertas”, lembra Cládis.
A
casa e sua arquitetura
O
padrão arquitetônico escolhido para a nova moradia foi o enxaimel. A estrutura
originalmente era autoportante, sendo que na parte frontal funcionava o
comércio da família Werlang, aos fundos havia a cozinha e ao lado os cômodos da
família. O pavimento superior, o sótão, ou em alemão Speiger, servia para depósito e espaço de convivência familiar. O
banheiro e a área de serviço ficavam aos fundos do terreno, sem ligação direta
com a casa.
A
varanda frontal somente foi construída mais tarde e as janelas originais também
foram trocadas por venezianas.
A residência Werlang
possui um bom estado de conservação com destaque para as linhas horizontais,
verticais e diagonais oriundas do madeiramento aparente da estrutura, aspecto
arquitetônico que define a edificação juntamente com a cobertura e o sistema
construtivo enxaimel.
O enxaimel (em alemão Fachwerk) é uma técnica construtiva
trazida pelos imigrantes alemães e adaptada ao clima e às necessidades no
Brasil. Em Itapiranga e São João do Oeste temos várias edificações nesse padrão
que necessitam de preservação, pois são exemplares dignos da história dos
colonizadores de Porto Novo. A maioria delas é preservada com muito esmero
pelas famílias, no entanto, muitas delas já foram perdidas.
As paredes alcançam uma
altura de 1,85 metros, sendo que a estrutura é toda ela em madeira de araucária
e o tramo (Fach) é de tijolos
aparentes. O revestimento final
resulta um acabamento texturizado e de considerável valor estético.
Os barrotes possuem espessuras de 12cm x 12cm, sendo que
os peitoris (brustriegel) na linha
horizontal se encaixam com os esteios (stiel)
em linha vertical e as escoras (strebe)
em diagonal. No enxaimel eram feitas marcações
para que todas as peças pudessem ser identificadas e encaixadas, podendo ser
realizada na parte interna ou externa, seguindo geralmente um numeral romano
indicando a posição da peça na respectiva parede. Por isso, de maneira geral, a
estrutura era toda montada separadamente e depois construída a edificação. Esse
trabalho com a madeira proporciona ao enxaimel um inestimável valor
arquitetônico e histórico, pois envolve um conhecimento de carpintaria e reflete
um valor cultural dos colonizadores de Porto Novo.
Podemos observar que os
carpinteiros utilizaram desta técnica para as peças da parede lateral da
residência formando assim, dois conjuntos de numerações. Na época geralmente as
plantas eram de formatos retangulares. Curioso é que cada carpinteiro possuía uma
combinação de marcação e numeração, geralmente com a utilização do formão, como
podemos perceber nas várias residências no interior do município.
O tipo de
telhado é do modelo Halbwalmdach ou então “metade de telhado de
quatro águas”, seguido de uma estrutura de telhado atirantado formado por
treliças de madeira. O assoalho (fussboden) ainda é original e reflete
uma aparência requintada para o interior da residência. Como suporte do
assoalho encontramos barrotes (balken)
de madeira inteiriça.
Atualmente o telhado é
composto por telhas do tipo americanas, que possuem capa e canal na mesma peça,
uma vez que, as antigas telhas schindle de madeira
apodreceram e houve a necessidade de serem substituídas, sendo necessária ainda
a utilização de mantas térmicas devido ao calor no segundo pavimento. A
inclinação do telhado é de aproximadamente 65% nas duas aguas maiores
(laterais) e 45 % nas menores (frontal e posterior). A varanda coberta possui
uma inclinação de 45% e conta com o madeiramento aparente. Foram agregados
calhas de aço galvanizado nas laterais e na água da varanda além de serem
mantidos os espelhos da parte frontal do telhado.
A arquitetura da
residência em enxaimel concede a ela um espaço privilegiado na paisagem da
cidade de Itapiranga. Conservada com muito esmero pela família, a Residência
Werlang é uma demonstração do quão significativas as residências históricas são
para a identidade e a cultura local.
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