Prato típico alemão servido na Oktoberfest |
Por Douglas Orestes Franzen
Professor da Uceff Itapiranga
A culinária representada através dos hábitos alimentares, é um reflexo direto dos padrões de comportamento de determinada
cultura. Ela representa formas de vida, representações, técnicas, conhecimentos
e saberes, representado através de um alimento. O alimento e sua significação
culinária, evoca os sentidos de vida e são um referencial sobre os costumes e
as tradições culturais de um povo.Na concepção de Giustina e
Selau, a elaboração dos alimentos envolve técnicas, elementos e artefatos que
trazem o conhecimento adquirido no tempo. Segundo os autores, o alimento é
considerado um patrimônio cultural, sendo que pode evocar a memória e despertar
lembranças de um momento outrora vivido.
Este conhecimento, se
não registrado, pode se perder, com isso gerações futuras não terão
oportunidade de conhecer este passado. É importante a preservação deste saber
fazer, a manutenção e transmissão continuada do conhecimento adquirido pelos
povos, pois assim fortalece a identidade, a cultura e as práticas de seu
patrimônio cultural material e imaterial. (GIUSTINA; SELAU, 2009, p. 46)
A culinária é um bem
patrimonial que reconfigura com o passar dos tempos. Sendo de valor imaterial,
está atrelado à saberes, conhecimentos e técnicas de preparo. Esta perspectiva
se torna simbólica quando vislumbramos a imigração, por exemplo. Todo imigrante
carrega consigo valores culturais, que se se adaptam ao meio e se reconfiguram
no novo espaço de moradia. Essa adaptação ocorre devido ao clima, aos recursos
naturais, às condições de vida e de trabalho e principalmente à disponibilidade
dos alimentos. Nessa trajetória elementos de referência se perdem mais inúmeros
outros se agregam.
Se
formos vislumbrar a imigração da Alemanha para o Brasil, percebe-se que houve
condicionantes de adaptação à nova realidade vivenciada em território
brasileiro. Ou seja, padrões alimentares e culinários originários da Alemanha
se perderam ou se reconfiguraram. Em muitos casos houve inclusive um alimento
agregado à culinária do imigrante alemão. Temos como exemplo a mandioca, ou
aipim. Esse alimento não constava dos hábitos alimentares na Europa e foi
agregado aos hábitos alimentares do imigrante em território brasileiro. Poderíamos
citar também o feijão e inúmeras frutas e legumes, sem esquecer do chimarrão,
uma bebida quente típica do Rio Grande do Sul que foi assimilada pelos alemães
e se transformou num hábito alimentar.
Diversos
alimentos configuram os hábitos alimentares de tradição germânica em
Itapiranga. A colonização e as condições de vida dos colonizadores,
principalmente pela inexistência de energia elétrica nas primeiras décadas,
impôs muitos determinantes para a produção e principalmente para a conservação
de alimentos. Por isso, as conservas ou compotas, representam uma tradição
culinária da região. Nesse sentido destaca-se a produção de geleias de frutas
(conhecidas em alemão como schmia) e
as conservas de legumes como pepino, beterraba e repolho (conhecido como
chucrute ou sauerkraut). Confira no vídeo abaixo o preparo do chucrute:
Os derivados da carne também
são comuns na culinária alemã. Nas primeiras décadas, devido à falta de energia
elétrica, a conservação da carne era feita dentro de uma lata com a banha do
porco. Outra tradição comum derivada da carne é a linguiça embutida, tendo
diversas variações como a spritzwurst
(linguiça defumada), blutwurst (linguiça de sangue), koppwurst (conhecida
como morcilha).
Spritzwurst |
Conforme
Eidt (2011), em Itapiranga os determinantes e condicionantes territoriais
forçaram um padrão adaptativo ao meio que afetaram as formas de vida da
população. Nesse sentido, as práticas culinárias se readaptaram e se
reconfiguraram aos determinantes socioespaciais.
A
produção de derivados de farinha de trigo e de milho também são um elemento
significativo para o patrimônio culinário local. Os pães, bolos e bolachas são
tradições cultivadas pelas famílias de Itapiranga.
A cuca, ou kuchen, representa um alimento que
potencializa a identidade germânica local. Compreender a abrangência da cuca (kuchen) é vislumbrar a relação ambígua
entra a história, a identidade e os costumes culinários locais. Nas primeiras décadas de colonização, com a
escassez de açúcar, a cuca era um alimento preparado para ocasiões especiais,
como era a Kerbfest, a festa do
padroeiro de determinada comunidade católica, um casamento, uma festa
comunitária ou no Natal e na Páscoa. A cuca possui inúmeras variações, podendo
ser preparada com frutas como a uva, ou até mesmo com doces e geleias.
Cuca de uva |
No ano de 2018 a Prefeitura Municipal de Itapiranga instituiu o “Dia D Deutschland”, uma iniciativa em parceria com o comércio local visando estimular atividades culturais alusivas à identidade germânica local. Nesse dia o comércio e os restaurantes se organizam para oferecer uma gastronomia típica, aspecto que fortalece o interesse por vincular a identidade histórica ao fomento às práticas de turismo e desenvolvimento econômico de Itapiranga.
Outra iniciativa do poder público municipal foi a edição de um livro com o resgate de receitas culinárias consideradas típicas da cultura alemã de Itapiranga. O livro é composto de receitas de bolachas, biscoitos, bolos, tortas, cucas, sobremesas, pães e salgados diversos e foi elaborado com a colaboração de mulheres que no documentário demonstram as receitas e as formas de preparo desses alimentos. Todas essas iniciativas colaboram no fomento às práticas de conservação da culinária simbólica da colonização, constituindo um elemento vinculador da cultura com a história e a memória.
Na
programação da Oktoberfest há o Café Colonial, espaço culinário que serve
alimentos vinculados à tradição germânica.
Um desses pratos é o Eisbein,
feito com joelho de porco e acompanhado de purê de batata. Obviamente temos de compreender o Eisbein como uma regalia culinária que
atualmente é servida como um prato típico de alto valor agregado. Quando
imaginamos o preparo desse alimento nas famílias dos colonizadores alemães, em
suas práticas cotidianas, temos de vislumbrar um preparo bem mais modesto
devido às dificuldades adversas da vida colonial.
Eisbein mit kartoffeln. Eisbein com batatas. |
Referências de pesquisa
EIDT, Paulino. Projeto Porto Novo: utopia ou
etnocentrismo? In: Revista Esboços, v. 18, n. 25, p. 184-211, ago 2011.
GIUSTINA, Adelina Padilha; SELAU, Maurício da Silva. A culinária como
patrimônio cultural imaterial. In: Cadernos
do CEOM, p. 45-67, ano 23, n. 31, 2009
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